Polícia prende, Justiça solta. E a culpa é de quem? Pergunta Major da PM.

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As
polícias pernambucanas prenderam cerca de 15 mil pessoas nos primeiros
sete meses desse ano, 10% delas acusadas de homicídio. Vou repetir: 15
mil prisões de janeiro a julho de 2017. Nunca
se prendeu tanto em Pernambuco. E mesmo assim a população continua
clamando, com toda razão, por mais policiamento e segurança. Ainda mais
quando nos deparamos com casos emblemáticos, como o do jornalista
atingido por uma bala disparada por bandidos em fuga na cidade de
Caruaru ou nos traficantes que atearam fogo a um carro com dois rivais
dentro dele no bairro de Boa Viagem, no Recife. Ambos neste final de
semana.

Todos
sabemos que chegamos às atuais taxas de criminalidade em função da
crise econômica que enfrentamos. O emprego sumiu e a violência explodiu
no Brasil inteiro. Em Pernambuco não foi diferente. Como policial, não
ouso dizer como conduzir a economia. Mas é da minha competência e da
minha obrigação apontar os problemas que impedem a transformação dos
esforços empreendidos pelas corporações policiais brasileiras em efetiva
segurança para o cidadão.

Vou
citar dois casos reais: No dia 20 de agosto passado, três pessoas foram
detidas, em Serra Talhada, durante abordagem da Polícia Militar,
portando toucas ninjas, colete balístico e até vídeos com exibição de
armas idênticas às utilizadas no ataque a um carro-forte ocorrido apenas
dois dias antes. Os policiais chegaram a eles após informações de que
teriam envolvimento com outros participantes desse crime. Não apenas
isso: os três indivíduos possuíam antecedentes criminais por assalto,
porte ilegal de armas e tráfico de drogas. Na audiência de custódia,
todos foram liberados.

Em
julho, um jovem foi preso em flagrante após um assalto a ônibus.
Durante a audiência de custódia realizada na 18ª Vara Criminal da
Capital, ele confessou ter praticado nada menos que oito assaltos desse
tipo. Foi liberado para responder em liberdade.
Depois de solto, praticou outros nove assaltos a coletivos. Acabou
preso pela polícia posteriormente quando, enfim, seu mandado de prisão
preventiva foi expedido pela Justiça. Mas a essa altura já contabilizava
17 crimes. Até onde se sabe.

As
audiências de custódia foram implantadas no Brasil em fevereiro de
2015, por proposta do Conselho Nacional de Justiça. O CNJ construiu o
modelo a partir do Pacto de São José da Costa Rica, um tratado celebrado
em 22 de novembro de 1969. Ou seja, implementamos uma etapa do nosso
processo legal com quase 50 anos de atraso ao tratado que a inspirou,
totalmente defasado em relação à realidade do Brasil e do mundo. Há
décadas, havia uma preocupação, na América Latina, em relação à proteção
dos presos políticos, contexto diferente do atual. Segundo pesquisa do
CNJ, nossas polícias colocam Pernambuco entre os estados com menos casos
de agressões, maus tratos ou tortura contra presos apresentados em
audiências de custódia. As notificações não chegam a 1%.

O
Pacto de São José da Costa Rica também desconheceu diferenças
estruturais de cada país — a exemplo dos sistemas carcerários,
ressocialização, escolaridade, índice e padrão de criminalidade. Um
tratado totalmente em conflito com legislações mais modernas. O Estatuto
do Desarmamento brasileiro (Lei 10826, de 22 de dezembro de 2003), por
exemplo, classifica como crime inafiançável o flagrante por porte de
armas de uso exclusivo das forças armadas, como fuzis. Pelo tratado, não
é feita a diferenciação entre os tipos de armamentos. Se for réu
primário e tenha cometido um crime considerado de menor gravidade ou
potencial ofensivo, um indivíduo portando armamento de guerra pode
retornar às ruas e responder em liberdade.

O
gráfico mostra que a partir de 2013, com a crise econômica, as vagas de
emprego (curva em amarelo) foram sendo reduzidas e o número de
homicídios (curva branca) cresceu na mesma proporção.

Digo
mais: a resolução que criou as audiências de custódia desconhece a
realidade do próprio Poder Judiciário. Em muitas cidades do interior do
Brasil não há juízes plantonistas. Isso obriga nossos policiais a
conduzirem esses presos por muitos quilômetros até um município que
possua plantão. Para fazer uma escolta, a PMPE emprega, geralmente, o
dobro de homens em relação aos presos. Se são dois presos, 4 policiais
são destinados à missão. Uma audiência pode demorar, a depender da fila
de espera, um dia para ser concluída. Nessas 24 horas, os policiais
ficam indisponíveis para o trabalho de segurança nas ruas.

Neste
momento, a Secretaria de Defesa Social, a Defensoria Pública, o
Ministério Público de Pernambuco e o Tribunal de Justiça de Pernambuco
estão tentando desenvolver uma logística que diminua esse problema. Hoje
a Polícia Militar de Pernambuco tem uma perda de 20% da sua capacidade
de policiamento em função das escoltas para realização de audiências de
custódia.

Dá para melhorar? Claro que dá. O Rio Grande do Sul, por exemplo, libera apenas 14% dos presos em flagrante.

Os
policiais pernambucanos estão fazendo sua parte. O Governo do Estado
também está, através de um investimento de R$ 290 milhões num plano de
segurança que vai colocar mais 4.500 policiais nas ruas (uma turma com
1.500 deles se forma agora em setembro), que adquiriu 1.000 novas
viaturas, que criou novos batalhões e companhias independentes pelo
interior, que criou o BOPE Pernambuco, que adquiriu mais e melhores
armamentos e equipamentos de proteção para os policiais.

Os
recursos humanos, mesmo considerando os reforços, não são infinitos.
Temos uma tropa motivada, que se arrisca diariamente para defender a
sociedade contra uma criminalidade fortemente armada, capitalizada,
enraizada e capaz de qualquer atrocidade para manter a rentabilidade do
seu “negócio”. E a sensação de “enxugar gelo” é nefasta para nossos
policiais. Dos Crimes Violentos Letais Intencionais de Pernambuco, termo
técnico pelo qual nos referimos aos homicídios, cerca de 60% têm
motivação na guerra do tráfico de drogas e extermínio. São os mesmos
criminosos praticando centenas de assassinatos, entrando e saindo do
sistema penal.

Quanto à pergunta posta no título deste artigo, só posso garantir que o único que não tem culpa alguma nisso tudo é o cidadão.
Esse deseja imensamente que as instituições se articulem e se
movimentem no sentido de garantir proteção, ordem, tranquilidade e
bem-estar social a todos.
por Luiz Cláudio Brito*.

*Major da Polícia Militar de Pernambuco.

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