ônibus da empresa Expresso de Luxo, da família Paula Joca fazia a linha
intermunicipal entre Pacajus e Fortaleza. Saindo de Fortaleza na “Cidade
das Crianças” rigorosamente às 15:30 h, sempre e pontualmente às 16:00
estava parando no Olho d´Água, hoje Horizonte.
tráfego pela BR-116, ainda era pequeno, e a estrada de boa qualidade
facilitava o percurso de pouco mais de 40 Km.
Desci do ônibus e, como fiz por
muitos anos durante as férias, peguei a direção da estrada vicinal, de
areia pura e frouxa, que levava à casa da minha Avó. Mochila nas costas,
ainda pensei em tirar o tênis e percorrer a distância de uns 6 Km
descalço. Mas, logo vi que, ainda que sendo a mesma, a estrada não tinha
mais tanta areia. Segui caminho.
entendi que não havia necessidade de andar rápido, pois Vovó e Vovô me
receberiam bem na hora que eu chegasse.
Andava e andava, tendo sempre a
atenção voltada, de repente, para algo que acontecia. A mesma cerca
velha feita de toras de sabiá (mimosa caesalpiniaefolia) construída há dezenas de anos. Quase tudo igual.
captação dos ouvidos, a rolinha cantava chorosa, fogo-pagooooouuuuu,
fogo-pagoooooouuuu, num lamentável cântico que tornava o fim de tarde
mais triste ainda. E tome estrada. Aquela mesma que, antes tão distante,
agora era percorrida com apenas um “salto” (dizer da Vovó).
sentia o peso ou o incômodo da mochila. Não demorou, e cheguei na
porteira corrediça da casa da Tia Maria e ainda me atrevi a avisar:
tinha o objetivo de atingir e atravessar a mata fechada antes da noite
chegar. Precisaria caminhar por mais de meia hora mata à dentro, antes
de atingir a porteira do destino. Não era recomendável atravessar,
andando no escuro aquele matagal, sempre avisou o meu Avô.
E, poucos metros antes de entrar
na mata, o susto veio através do vôo repentino no “inhambu”,
despertando um medo que até então não existia. Mas, era seguir em
frente, e deixar pra lá as crendices nas assombrações e lobos maus.
à frente. Longe, dava para escutar o toque-toque da mão do pilão,
pilando fubá de milho torrado, ou café: – toque, toque, toque tão ritmado que mais parecia um ensaio de bateria de escola de samba do Rio de Janeiro!

pela dobradiça enferrujada, ao abrir o portão-porteira, despertou o
cachorro Bimba, até então em sono profundo, enquanto deitado sobre o
forro do cambito encostado na parede da sala. Desesperado e balançando o
rabo, veio ao meu encontro. Cheirou. Conferiu o faro, e me deixou
entrar sem alarido ou latido.
casa em todos os cômodos, fui até a cozinha e vi o fogo do fogão aceso
e, sobre a bancada, a fumaça do café que estava sendo preparado
(provavelmente para a novidade que estava chegando – eu!), ainda fora do
bule.
em casa, pois era a hora de preparar o dicumê para o Vovô, resolvi
procurar também no quintal, onde talvez ela tivesse ido pegar uma toras
de lenha para atiçar o fogo.

cozinha, logo percebi as galinhas ciscando o chão à procura de milho, ou
algo para comer. Eram muitas as galinhas criadas no sistema “meeiro”
com o dono das terras – e a netaiada, crescida e morando na capital, nem
vinha mais aos domingos, suscitando o abate das penosas. A tendência
era aumentar o rebanho.
certeza em alta postura, dava para imaginar a quantidade de ovos
guardados nas cuias da Vovó dentro da camarinha – esperando alguém para
levar pros meninos na cidade grande, ou para fazer aquela gemada
gostosa, caso alguém precisasse.

quintal, quando avistei, ao lado do antigo girau, aquela mesma porca
pintada na cara, comendo babugens ao lado dos dois bacurins – e esses me
deram a impressão que continuavam do mesmo tamanho de mais de 50 anos
atrás.

Zé Luciano, um primo, que não dispensava nada. Comia até buraco na
cerca, ou na parede. Nem me admiro que tenha emprenhado a coitada da
porca. Se é que isso seria possível.
cantata das cigarras e dos grilos, ainda havia claridade. Como não
aparecia ninguém, continuei passeando pelo quintal, matando a saudade da
convivência com os bichos criados por Vovó.
pastoreava os onze patinhos que acabara de alimentar, e agora os levara
à beber água. Um pato, mais afoito, acabou caindo dentro da bacia
improvisada de bebedouro. Todos, inclusive a pata, levantaram os olhos
para mim, admirados pela presença – depois, descobri que fazia muito
tempo não recebiam o incômodo de ninguém.

ar da graça. Comecei me sentir “só”, necessitando entender o por que
de, até aquele momento, não ter aparecido ninguém. E a noite começava a
dar o ar de sua presença. Pelo menos eu teria que me preparar para
enfrentar a noite, sozinho, enquanto Vovó ou Vovô não chegavam de volta
para casa.

(ou imaginei ter escutado) um latido de Bimba. Era a senha que eu
precisava, para ter a certeza que alguém chegava de volta em casa. Fui
até a portas de entrada e, percebi que não era ninguém menos que o
jumento Policarpo, querendo entrar – e ele mesmo, com certeza, como se
acostumara fazer durante todos aqueles anos, caminhou até encontrar o
buraco da cerca por onde entrava para dormir ao lado do chiqueiro das
cabras.
curioso para conhecer as novidades. E, aparentemente não havia muita
coisa nova naquela casa com ares de abandonada, embora o fogo do fogão
se mantivesse acesso e o coador do café ainda fumegasse.
entrar e procurar uma lamparina, percebi o que para mim era uma
novidade, sim. A moita de “mufumbo” havia crescido, e dessa feita, os
catraios haviam posto muitos ovos – e nenhuma cobra se atreveu a
come-los.

pegou desprevenido. Como e onde encontrar uma lamparina que iluminasse
aquela casa até a chegada da Vovó?
lamparina, tropecei, e me dei conta que, nas costas, carregava uma
mochila. Perguntei para mim mesmo: de onde saiu essa mochila? Eu nunca
possui ou usei mochila, quando era criança!
coleta do lixo de dois em dois dias, me acordou. Só então consegui
perceber que tudo aquilo não passara de um sonho. De um bom e saudoso
sonho.
cachorro; o fogo aceso no fogão e o café fumegante; o milho para as
galinhas; a água para os patinhos, e a chegada da noite? Como explicar
tudo isso?