Supremo ou pequeno.

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Críticas foram recebidas descaso, ninguém acha o Supremo mais supremo do que o próprio Supremo.
A decisão do Supremo, esperada hoje, sobre o habeas corpus preventivo contra
a prisão antecipada de Lula, projetará reflexos de muitos aspectos em
muitas direções. Mas nenhuma apagará as sequelas da divergência, dentro e
fora do tribunal, em torno da prisão antes de esgotados os recursos dos
réus. Como o Supremo autorizou em contraste com o que lhes assegura da
Constituição.
 
A
divergência contém gravidade por si mesma, tratando-se de questões de
liberdade e de justiça (há reparo possível para o preso depois
absolvido?). A presidente do Supremo, Cármen Lúcia, deu à divergência um
caráter que a agravou: o de combinação de afronta ao Supremo e de
enfrentamento político. Recente frase sua sintetiza tal visão: “Eu não me submeto à pressão”.

A permissão de prisões já na segunda instância de
julgamento e recurso, dada pelo Supremo em 2016, recebeu críticas desde
o primeiro momento, de advogados, juristas, magistrados, políticos,
religiosos e jornalistas. Organizações representativas entraram com
recursos contra a decisão, por seu conflito com a garantia
constitucional de que ninguém será considerado condenado e preso antes
de esgotadas suas possibilidades de recurso. É fácil perceber aí uma
proteção, não só para o réu, como para a própria Justiça contra
deformações e erros judiciais.

As
críticas foram recebidas com o habitual descaso. Ninguém acha o Supremo
mais supremo do que o próprio Supremo. Mais avançados do que as
críticas, alguns ministros do tribunal tornaram público o desejo de ver a
permissão rediscutida. De sua parte, se de início transpareceu
concordar, Cármen Lúcia adotou súbita rigidez contra o agendamento do tema.
O ministro Marco Aurélio Mello liberou em dezembro, para julgamento,
duas ações sobre a permissão. Ficaram na mesa da presidente. Nos últimos
três meses, seu argumento básico para essas atitudes diz que
“rediscutir um assunto decidido seria apequenar o Supremo”.

Considerar
que divergências, críticas e desejo de rediscutir constituem pressão é
bem pouco democrático, se chegar a esse pouco. Casuística, incentivada
por uma prática de direito e de justiça cujo sucesso propagado não
esconde sua vocação fascistoide, a permissão dada pelo Supremo tem uma
natureza polêmica explícita até nos seus números: 6 votos a 5. Diferença
por voto de minerva. Da presidente Cármen Lúcia. Como resultado, nada é
mais rediscutível do que esse casuísmo evidente e comprometedor.

Se
rediscutir uma decisão apequena, é o caso de lembrar que, do Direito
Romano, ao que a presidente do Supremo deve aplicar, ela o recebeu de
milênios de rediscussão e reconsideração jurídicas. A Constituição pela
qual o Supremo deve zelar rediscutiu, em 1988, os princípios
constitucionais passados, e hoje tem apenas a idade dos moços que chegam
aos 30 anos.

Se
o direito é uma ciência, das ciências jurídicas, eis algo que vale não
só para o direito: a ideia de revisão está implícita no conceito de
ciência.

Qualquer
que seja a decisão do Supremo sobre prisões antes de ultrapassados os
recursos legais, sua tradução para a atual crise, e mesmo para a
realidade brasileira em geral, só pode ser uma destas: “A Constituição é
para ser cumprida” ou “Dane-se mais uma”.

Ao encerrar por aqui, agradeço aos ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso pela violência com que se atacam na
sessão plenária do Supremo. Comprovam que a divergência foi levada, só
por casuísmo político, a um ponto que, isso sim, a muitos olhos e
ouvidos cidadãos apequena o Supremo.

Janio de Freitas – Folha de S.Paulo.

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